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Corujas e os mitos que as cercam
Por: Willian Menq | 04 de julho de 2013
 
 

A suindara é muitas vezes perseguida devido aos mitos que a cercam. Foto: Juniors Bildarchiv

Antigas crendices, preconceitos e a falta de informação, contribui significativamente para que uma parcela da população ainda não simpatizem com as nossas corujas. Com isso, muitas espécies de corujas são exterminadas de forma injusta, já que todas essas histórias são falsas.

As corujas sempre despertaram a nossa curiosidade e imaginação. São encontradas em praticamente todas as regiões do planeta, sendo ausentes apenas em algumas ilhas isoladas e nos pontos extremamente frios da Terra. Assim, é compreensível que todos os povos, nos diferentes locais habitados, e em diferentes estágios cronológicos das civilizações, têm ou tiveram conhecimento da existência dessas aves.

Corujas e os seres humanos estão ligados desde o início da história, há registros de corujas retratadas em pinturas rupestres na França que datam de 15 a 20 mil anos. Elas também aparecem em hieróglifos egípcios. Elas realizaram uma variedade de papéis simbólicos na cultura, representando muitas vezes a prosperidade, sabedoria e filosofia. Porém, devido os hábitos noturnos, a vocalização lúgubre, morfologia e suas incríveis habilidades de caça, sua presença foi diversas vezes vinculada ao misterioso, desconhecido, associando-as a sinais de azar, morte e infortúnio e o consequente elo com entidades amaldiçoadas, como bruxas, magos e demônios.

Há uma infinidade de lendas sobre as corujas, e a realidade é tão espantosa quanto o folclore que a inspirou. Na Europa, eram vistas como bruxas disfarçadas e, para espantar o mal que supostamente pudessem causar, eram amarradas em árvores, pelos pés, e assim abandonadas até morrer. Na Inglaterra, as pessoas tinham o costume de pregar uma suindara (Tyto alba) na porta de um celeiro para afastar o mal, tal costume persistiu até o inicio do século 19. Na Escócia e na Irlanda, acreditava-se que se uma coruja pousasse em uma janela três vezes em noites seguidas era um aviso de morte, e se ao atirar sal no fogo não silenciasse a ave, então a morte era inevitável. Na Roma antiga, ouvir o pio de uma coruja era presságio de morte iminente, diz à lenda que as mortes de Júlio César, Augusto, Aurélio e Agripa foram anunciadas por uma coruja. Enquanto os gregos acreditavam que a visão de uma coruja era previsão de vitória para seus exércitos, os romanos encaravam isso como sinal de derrota.


Corujada representada em
hieróglifo egípcio.

Tetradrachm ateniense.
Moeda grega de prata

Pintura "O Rubor Sanguinis (2000).
Artista: Madeline von Foerster

Na Grécia Antiga, era a companheira da deusa Atena, deusa da profecia, sabedoria e clarividência. Era considerada a protetora dos artesãos e de todas as pessoas cujo trabalho manual era guiado pela inteligência. A noite era considerada como o momento filosófico, e da revelação intelectual e a coruja, por ser noturna, acabou por se tornar símbolo da busca pelo saber. Devido à associação à deusa Atena, a coruja ganhou status de proteção da cidade de Atenas. Seu simbolismo foi adotado pelos exércitos gregos durante as guerras como inspiração. Foi destaque na sociedade e no comércio, sendo retratada no verso de duas moedas de prata, simbolizando perspicácia e riqueza. A coruja que representou Atena era o mocho-galego (Athene noctua), que era abundante na cidade e facilmente encontrada na Acrópole.

Em muitos países africanos, a coruja está associada à magia e feitiçaria. Uma grande coruja rondando a casa era indicativo de que um poderoso xamã mora por ali. Na África oriental, os Suaílis acreditavam que essas aves traziam doenças para as crianças. Já na Índia, alguns povos usam a carne das corujas para curar dores reumáticas e suas penas usadas nos travesseiros para acalmar crianças inquietas. Na China, alguns povoados as associavam ao relâmpago, por isso, confeccionavam efígies (tipo de estatueta) de corujas e espalhavam pelas casas para proteger contra raios. A bufo-pescadora-de-blakistoni (Bubo blakistoni) é um dos deuses mais importantes do povo Ainu nativos de Hokkaidu, no Japão. Ela é chamada de “Kotan kor Kamuy”, que significa o “deus que defende a aldeia”. Eles tinham o costume de construir estátuas de madeira para pregá-las nas portas com intuito de combater a fome e a peste.

No Oriente Médio, a coruja está relacionada com a destruição, ruína e morte. Acredita-se que representam as almas das pessoas que morreram e não foram vingadas. Se ver uma coruja no caminho para a batalha prenuncia uma batalha sangrenta, com muitos mortos e feridos. Já uma coruja na casa de alguém prediz a sua morte. E sonhar com uma coruja pode ser um bom sinal, desde que não ouça sua vocalização. No folclore polonês, garotas que morrem solteiras se transformam em pombas, enquanto as garotas casadas quando morrem se transformam em corujas. Outra história polonesa conta que as corujas não saem durante o dia, pois elas são muito bonitas, e seriam assediadas por outras aves ciumentas.

As crenças sobre corujas variaram muito entre antigas tribos indígenas da América do Norte. Algumas tribos acreditavam que as corujas eram mensageiras de doenças e morte. Outras tribos achavam que eram espíritos protetores, já outras acreditavam que elas eram almas dos vivos ou de pessoas recentemente mortas e deveriam ser tratadas com respeito. Há também aquelas que achavam que as corujas eram encarnações de seus deuses, os índios Hopis, por exemplo, acreditavam que a coruja-buraqueira (Athene cunicularia) era seu deus dos mortos.

No Brasil, alguns indígenas tinham as corujas como aves sagradas, acreditavam que elas traziam sorte para a tribo. No norte do país, caboclos mais antigos consideravam a caburé (Glaucidium brasilianum) como ave de boa sorte, e por isso penas de caburé eram usadas como amuletos. Alguns povoados na Amazônia dizem que a murucututu (Pulsatrix perspicillata) é uma alma penada castigada pelo mal que fizestes em vida, condenada a vagar pelas florestas na forma de coruja, sem que ninguém ouse dela se aproximar ou cruzar seu caminho.


Coruja-das-neves (Bubo scandiaca) em cena do filme Harry Potter.

Soren, a coruja super-herói do filme "A lenda dos guardiões".

Hoje em dia, muitas pessoas adoram as corujas. Muitos colégios e professores fizeram delas seu símbolo, popularizando as figuras de corujinha de toga, capelo e com diploma em baixo das asas. Filmes como os da saga Harry Potter e desenhos como “A lenda dos guardiões (Legend of the Guardians)”, somado a popularização da internet, a facilidade de acesso às informações e ao avanço das pesquisas, ajudaram a melhorar significativamente a imagem positiva das corujas, como aves maravilhosas, simpáticas e importantes para a natureza. Porém, algumas crendices ainda resistem ao tempo, não é muito difícil ouvir de uma pessoa mais velha, de tribos indígenas ou de populações do interior, mais isoladas da cidade, que as corujas anunciam a morte e trazem má sorte. Uma das superstições mais populares no Brasil é da coruja suindara (Tyto furcata), algumas pessoas acreditam que a suindara (ou qualquer outra coruja) anuncia a morte quando voa sobre a casa de doentes ou pousa em seu telhado, atraindo a morte. Infelizmente, histórias assim geram muita aversão, preconceito e medo. Com isso, muitas espécies são desprezadas, perseguidas ou exterminadas em função do preconceito.

Todos esses “poderes estranhos” das corujas são apenas adaptações para sua sobrevivência. É verdade que as corujas frequentemente habitam casas abandonadas e igrejas. A explicação é que esses lugares fornecem refúgios seguros contra a caça implacável pelo homem e outros predadores. Também é fato que, às vezes, sua presença é denunciada, na escuridão, por uma estranha luz fosforescente, isso se deve à existência, na madeira apodrecida de seus ninhos, de fungos luminosos, que aderem às suas penas. Seus olhos grandes servem para aumentar a eficiência da visão noturna. A audição apurada serve para auxiliá-la na detecção das presas, através de ruídos. O voo silencioso se deve às penas macias para aproximar-se de suas presas sem serem percebidas. E as vocalizações lúgubres são para comunicar-se com outros indivíduos de sua espécie ou espantar competidores do território.

Parece estar claro que alguns aspectos comportamentais e ecológicos das corujas, relacionados a questões culturais, são os responsáveis pela imagem negativa que essas aves têm em uma parcela da sociedade e pela criação de muitas ideias errôneas sobre as mesmas.

Somente com a conscientização através da educação ambiental podemos eliminar o ciclo de preconceitos e a má informação em torno das corujas.

Referências:

Burton, J. A. (1984) Owls of the world: their evolution, structure and ecology.
Revisited Edition. Tanager Books, Dover.

Freidman, S. (2013) Owl Myths and Legends. Disponível em < http://wildbirdsonline.com/articles_owls_in_myth.html > Acesso em Julho de 2013.

Lewis, D. (1999) Owls in Mythology & Culture. Disponível em < http://www.owlpages.com/articles.php?section=Owl+Mythology&title=World> Acesso em 23/05/2013.

Lewis, D. (1999)B World Owl Mythology. Disponível em < http://www.owlpages.com/articles.php?section=Owl+Mythology&title=World> Acesso em 23/05/2013.

Marcot, B. G., & D. H. Johnson. (2003) Owls in mythology and culture. Pp. 88-105 in: J. R. Duncan. "Owls of the World: Their Lives, Behavior and Survival" Key Porter Books, Ltd., Toronto, Canada. 319 pp.

SICK, H. (1997) Ornitologia brasileira. 2ª. ed. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro.
Weinstein, Krystyna. (1990) "The Owl In Art Myth & Legend". Universal Books Limited

Wigington, P. (2013). Legends and Lore of Owls. Disponível em < http://paganwiccan.about.com/od/othermagicspells/a/Legends-And-Lore-Of-Owls.htm > Acesso em Julho de 2013.

 


Citação recomendada:

Menq, W. (2013) Corujas e os mitos que as cercam - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/Corujas_crendices.pdf > Acesso em: .



 


 
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